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Aspectos fisiológicos da atividade aérea e seus riscos

A humanidade ao longo da sua evolução, sempre teve a curiosidade e o desejo de voar, mas como é de conhecimento de todos, o corpo humano não é capaz de realizar tal ato por meios próprios e, se inserido nesse meio sem o auxílio de tecnologias adequadas, poderá sofrer problemas de saúde correndo o risco de entrar em um estado gravíssimo e até mesmo vir a óbito. Embora a aviação tenha se modernizado ao longo dos anos, o homem ainda sofre muitos efeitos fisiológicos que afetam a sua performance durante um voo, e se ignorados, resultarão em acidentes. Alguns desses efeitos são as ilusões visuais e ilusões vestibulares, que são relacionadas a voos noturnos e em condições em que o profissional perde o contato visual com o meio externo, ou interpreta de forma equivoca o que está acontecendo ao seu redor baseado em falsas sensações.

Principais ilusões visuais:

As principais ilusões visuais ocorrem devido à ausência de percepção durante o voo, devido à redução visibilidade. Pistas em aclive, declive, ou com larguras diferentes, podem levar o aviador a uma interpretação errônea sobre sua real posição no espaço. Um exemplo, é um piloto a acostumado a operar sempre no mesmo aeroporto, quando ele realiza voos noturnos em outra pista, normalmente encontra um pouco de dificuldade para se adaptar as novas condições de voo. Para prevenção, é primordial um bom planejamento de voo, identificar quais elevações estão presentes na rota, a elevação da pista, auxílios visuais no solo disponível para o pouso, e monitorar constantemente os instrumentos, principalmente o altímetro.

Figura 1. Pista 18 – Aeródromo Coroa do Aviao.

Fonte: https://www.facebook.com/coroadoaviaoaerodromo/videos/pista-18-aer%C3%B3dromo-coroa-do-avi%C3%A3o/593125894515027/

Se a pista possuir intensidade luminosa elevada em um entorno bastante escuro, como em aeródromos com menos infraestrutura, também haverá riscos de ilusões, exemplo: aproximação para pouse em SIFC (Coroa do Avião) um aeródromo rodeado por vegetação e poucos pontos de luz. Essa ilusão causa uma sensação de estar alto e acaba induzindo os pilotos a fazerem aproximações baixas, com riscos de colisões com fios de rede elétrica e o topo de árvores. Para evitar, além do que já foi mencionado anteriormente, usar referências como a iluminação dos hangares, e outros pontos de luzes laterais podem ajudar a se localizar melhor no espaço.

Outra ilusão visual importante, está relacionada com a meteorologia. Realizar voo VFR (Visual Flight Rules) abaixo dos mínimos requeridos conhecido pela expressão “visumento”, assim como, voos a baixa altura tanto em terra quanto na água e com visibilidade degradada, resultam em muitos problemas, pode acontecer a partir desse fato, do piloto tentar se orientar olhando para fora da aeronave sem referências confiáveis, e isso o levará a uma desorientação espacial, podendo causar um acidente. A desorientação constitui um grande risco para a segurança e a principal forma de prevenção é o constante uso do horizonte artificial, voar sobre regras de voo por instrumentos (IFR) em condições IMC (Condições Meteorológicas de Voo por Instrumentos) e não confiar no seu instinto que pode estar indicando falsas sensações de posição no espaço.

Figura 2. Condições meorológicas no acidente do PR-SOM

Fonte: http://www.potter.net.br/media/rf/pt/PRSOM_POR_VERSION_FINAL.pdf

 

Ilusões vestibulares:

          Estão diretamente ligadas ao fato que quando a visão é degradada, a principal ferramenta que o corpo usará para se orientar é o sistema vestibular, mas este apresenta uma série de erros pois representam apenas 20% das informações sensoriais que o corpo precisa, logo, se não ignorados, levarão os pilotos a se desorientarem nos seus voos.

          O principal problema é que como esse sistema não compreende as informações de forma correta sem a visão, momentos importantes como: a hora certa de nivelar as asas ou o gradiente ideal de subida e descida serão identificados na hora errada e com a intensidade errada. Nesse momento, piloto pode entrar em um estado chamado de CFIT (Voo Controlado em direção ao solo), é uma condição em que o piloto acha que o voo transcorre normalmente, porém o mesmo encontra-se em uma atitude que o levará para o acidente. Pode também a aeronave entrar em atitudes anormais, como: parafuso e em um graveyard spiral (espiral da morte), devido à falta de percepção que o avião está em curva, quando deveria estar reto e nivelado.

 

Figura 3. Espiral da morte.

Fonte: https://www.aerocadet.com/cbts/faa/PHAK%20-%20Chapter%2016.pdf

Baseado no que já foi visto, é notório que um voo é rodeado de riscos, mas todo acidente pode ser evitado.

Assim, os principais riscos ao voo são:

Desorientação espacial dos pilotos, que é um estado na qual a interpretação da posição no espaço é equivocada, essa condição é muito grave para o voo, pois leva a uma perda de controle da aeronave. É evitada com cuidados na navegação, atenção aos instrumentos, treinamentos constantes e um descanso adequado antes do voo.

Outo risco é o CFIT, que é atrelada a desorientação, mas leva ao acidente em alguns casos sem que os tripulantes sequer percebam que estão em uma situação perigosa e é evitado a partir das mesmas ações do parágrafo anterior e com o uso de EGPWS (Enhanced Ground Proximity Warning System), Sistema Aumentado de Alerta de Proximidade do Solo, usado para alertar e guiar quando em proximidade com o solo, ou em proximidade de elevações que adentrem a área de margem de segurança do equipamento.

 A despressurização também é um risco, porque representa redução de pressão e oxigênio na cabine, causando inconsciência em todos. É prevenida a partir de uma boa manutenção na aeronave, e requer bons treinamentos das tripulações para seguir os procedimentos de emergência. Os pilotos precisam descer imediatamente para uma altitude segura (aproximadamente 10.000 pés), e todos precisam usar máscaras de oxigênio destinadas para esse tipo de problema.

Disbarismo e Hipóxia.

A baixa pressão e redução na concentração de oxigênio acarretam vários problemas de saúde. O disbarismo por exemplo, está relacionado a níveis de pressões atmosféricas diferentes das quais o homem está acostumado na superfície da terra. Em voo de cruzeiro, a pressão do ar é mais baixa e pode causar efeitos, como dores intestinais, dores de ouvido e dores na cabeça. Essa diminuição da pressão permite a dilatação de várias partes dentro do corpo e consequentemente resulta nessas complicações. Outro problema é a hipóxia, que é relacionada com a baixa quantidade de oxigênio no corpo, podendo causar inconsciência e morte.

Se protegendo do Disbarismo e Hipóxia:

Embora a pressão de cabine esteja em uma faixa de 8.000 pés, algumas pessoas podem ser afetadas e sempre devem consultar seus médicos antes de voar. Caso a tripulação suspeite que há uma falha em algum sistema que afete a pressão e a circulação do ar, imediatamente iniciará uma descida de emergência para uma altitude segura e seguirá o checklist de emergência assim como irão passar a utilizar máscaras de oxigênio destinadas para essas ocorrências.

É importante ressaltar que quanto mais alto se voa, mais rápido deve ser as ações de emergências. Dependendo da altitude, apenas alguns segundos poderão fazer toda diferença no cumprimento dos procedimentos em caso de despressurização.

Figura 4. Tempo de consciência útil – temo x altitude

Fonte: https://www.boldmethod.com/blog/lists/2018/05/6-things-that-happen-inside-an-airplane-during-a-rapid-decompression/

Fadiga e Estresse

 Outros dois aspectos fisiológicos precisam ser mencionados, são o estresse e a fadiga.

A fadiga está ligada a alta carga de trabalho do corpo e é o resultado de um esforço que pode ser físico, mental ou ambos de ocorrendo de forma ocasional ou constante. Ela afeta diretamente a qualidade do trabalho, e no caso da aviação impõe um risco a segurança, uma vez que um profissional nessas condições irá, devido ao seu estado mental, negligenciar procedimentos, se equivocar ao formular ideias, cálculos de voo, e terá degradação na tomada de decisão.

Fatores que aumentam a fadiga de voo são: alta carga de trabalho, insônia, alto-medicação e a cultura organizacional. Ela pode ser considera normal quando ocorre sem frequência, devido a um dia exaustivo por exemplo, com cancelamentos de voos, emergências, mudanças de rotas etc., mas quando ocorre constantemente, ao pondo do individuo viver fadigado, não é considerado normal e é preciso buscar ajuda de um profissional.

Figura 5. Fadiga de voo.              

Fonte: Fhttps://www.pilotopolicial.com.br/riscos-da-fadiga-na-aviacao/

Já o estresse na aviação é a consequência de um ambiente extremamente dinâmico, exigente e com diversas operações ocorrendo ao mesmo tempo. A aviação tenta exterminar ao máximo os possíveis problemas, desde os mais simples aos mais complicados, e isso, gera uma carga emocional gigantesca nos profissionais. Se o indivíduo nesse caso, não souber lidar com as diversas situações inesperadas do dia a dia, além de prejudicar a sua saúde, reduzirá os níveis de segurança da sua organização. Para prevenir o estresse, é importante investir em uma boa qualidade de vida, de sono, alimentação, evitar álcool e cigarro, praticar atividade física e se preparar para a jornada de trabalho, com bons estudos e planejamento. Assim, o piloto irar cuidar de si mesmo e daquele que dependem do seu trabalho.

Essa publicação faz parte de um dos meus trabalhos de Gestão de Segurança de Voo

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